CANTO DO THEO

Se soubesse escrever...
Falaria da vida que passa sem ser notada,
Do nascer e pôr do sol que já não encanta,
Do respirar tão necessário quanto esquecido,
E da estranha solidão em um mundo tão povoado.
Se soubesse escrever...
Exporia as dores engolidas e que engolem tanta gente,
Comunicaria a esperança aos que jazem à “margem”,
Provocaria o “vômito” das culpas entaladas na garganta de quem delas evade de modo tão leviano.
Se soubesse escrever...
Ah! Choraria em verso e reverso a dor da fome:
- Fome de pão, fome de água, fome de justiça, fome de amor.
Clamaria pela reconciliação das famílias, que tanto se perdem em “pazes forjadas”.
Choraria pelo desencanto de tudo: se soubesse escrever !
Se soubesse escrever...
Evocaria a atenção para o poder das coisas simples:
- O poder da verdade, da tolerância, do perdão, do amor.
E cantaria, sim, até mesmo enquanto durmo, a beleza esquecida na infância da vida: por mais cruel que esta tenha sido.
Mas não sei escrever !
Então, calo-me, e venero a passagem da vida, a passagem do sol, a respiração que agora sinto ,enquanto pulsa meu coração sedento por continuar aqui.
Choro enquanto canto as dores do mundo;
Enquanto melodiosamente harmonizo minha esperança em “gente melhor”, mundo melhor, e dias melhores.
Já que não sei escrever, peço a Deus não que abra os olhos para nós, antes que abra nossos olhos para cada gesto Dele aqui, agora, por nós, em nós, entre nós.
Mesmo que soubesse escrever, sei que preferiria não fazê-lo.
Antes, pisaria nesse “chão nosso de cada dia”, e enxugaria as lágrimas dos que choram, cantaria a morte e a vida, com a gratidão de quem entende que ambos são um só dom, tão maravilhoso quanto de curto prazo.
Preferiria sempre, deixar caneta e papel;
E sentar-me no chão como criança, em um mundo onde todos são amigos e felizes,
Onde não há fome de nada, pois tudo que é “meu” é “nosso”;
Onde “verdade”, “justiça”, “beleza”, “perdão”, “amor”, são meras palavras e conceitos de “gente grande”:
- Pois entre crianças toda virtude é gesto, é prática, é natural.
É isso ! Se soubesse escrever optaria em deixar de lado:
- Preferiria Ser simples como uma criança.
Theo Fagundes (12/12/11 às 5:35 AM)
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O Homem Primitivo Redivivo: Uma versão que consegue ser pior...!
Não há mais nada a perguntar; logo já não há mais porque viver ! Sim, pois que vida é possível sem perguntas, sem questões, sem “problemas” que necessitem de exame e resolução? Que atividade pode ser chamada de “humana” se não for constituída desse nosso “diferencial”: o de questionar a origem,sentido, e finalidade das coisas?
Já sei tanto sobre tudo ao meu redor que viver tornou-se tarefa entediante demais...; e o que sei é extremamente desestimulador. Se o que julgava ser necessário à manutenção, preservação de uma vida que dignava-se humana já está “explicado”, para que ficar aqui e ver o fim previsto? Arrogância minha? Jamais ! Arrogância contemporânea. Vejamos.
O mundo externo _pelo menos o mais próximo possível, o que corresponde à galáxia em que estou “passando uma chuva”_ segundo os postulados de grande parte da comunidade “científica”, tornou-se previsível nos últimos 100 anos de modo altivamente assustador. Sim, não se conhece todo o Universo, mas “eles” já sabem que tudo é regido por “leis” irrevogáveis, previsíveis. A vida na Terra está explicada, os eventos da natureza em cada período histórico facilmente compreendidos, alterações no clima, vegetação, populações, e até o fim de nossa espécie mais ou menos previsto. A mais antiga fábula, a da causalidade, assume o governo pleno. Não existe mais nada “lá fora”, além do que percebam nossos telescópios; e se houver ,saberemos...dizem. É o mundo da descrença na crença, e da crença na arrogância.
O mundo interior? Ah, esse já é mais fácil de sondar que um “jogo de lego”, e as previsões sobre a conduta (que absurdo !), escolhas e decisões, afinidades, tudo já está explicado em seu “código” genético, em sua constituição neuronal, nas ramificações de neurotransmissores em sua cabeça de bagre...enfim, tudo previsto. A melancolia e a ansiedade é resultado de disfunções no sistema límbico, _uma falha da porra dos neurotransmissores de meu “juízo”_ principalmente na “recaptação” de serotonina no cérebro: dá-lhe Prozac, Pondera, Assert, Fluoxetina..., pronto, e a vida torna-se “normal”; tudo muito previsível. Impulsos suicidas? Explicado. Personalidade Psicopática? Explicado. Transtornos psicóticos e esquizofrênicos? Explicado. E o pior de tudo: não somente explicados, mas, determinados. Isso mesmo: você é do jeito que deveria ser, e será do que jeito que deverá ser...e não como queira,almeje,planeje...! É a “Neuromancia”, “Cientomancia”, “Psicomancia”. Não precisa mais ver seu destino nas cartas: é só abrir a sua cabeça; tá escondido em algum lugar aí dentro.
É a morte da vontade; o despojo de nosso “elemento produtor” de significado: a liberdade !
O encanto da arte se foi, pois não há mais nada de mágico, surpreendente, encantador, divino, em sua criação artística. Não há mais espanto: para quê se não foi você quem criou a maravilha que pensou ter criado? Bem; foi você, mas um outro você...um você que você não sabia ser, pois o você que conhecias é mero espetáculo predeterminado. Confuso, não é? Se a arte necessariamente deve passar pela expressão, não me interessa mais, pois estará expressando algo que nada terá de surpreendente...! É a morte da “magia”, do compartilhamento..., da revelação.
Justiça, advogados, promotores, leis, normas? Para que? Ah, já sei: para garantir que o predestinado assassino psicopata seja punido por matar o predestinado “politicamente correto”. Mas, como pode alguém ser punido e responsabilizado por algo que já está nele antes mesmo de saber-se? Pergunte à Sociedade Internacional de Psiquiatria, e ao seu “CID”...!
Religião, comunidades de fé, deus, santos, mártires? Não necessitamos mais acreditar nisso; isso é o restante a ser eliminado de uma vez por todas de nosso código genético primitivo. A “Evolução” selecionou os melhores, e estes sabem que essas coisas são para fracos, amparo para a sobrevivência da classe “ressentida”, “parasita”. Matemos Deus... já não precisamos dessa idéia ultrapassada.
O humor, a música, o teatro, a leitura...; para que? Vai lhe ajudar em que? A rir por que uma pessoa com predisposição humorada anima um receptor predisposto equivalentemente? A emocionar-se com canções que, ao contrário do que pensava, não foram compostas por gênios e nada tinham de excepcionais, e sim por pessoas que “deveriam” nascituramente serem assim? Ler para que se não vai torná-lo nem um milésimo diferente do que serás?
Não...já está tudo escrito: não, não é na Bíblia, nem no Corão, ou no Bhagavad Gita; mas no “novo cânon”.
Agora entendo o que a maioria das pessoas de minha geração já perceberam (puxa, como sou burro e lento!): se já está tudo “posto”, para que querer ver sentido nas coisas? É isso mesmo ! Vamos estudar para ganhar mais dinheiro, e assim termos quantos automóveis for possível, e possuir todos os parceiros sexuais da galáxia. Acaba com esse negócio de “Ciências Humanas”! Vamos viver a vida; beber, fumar, usar anfetaminas, psicotrópicos, ouvir não música, mas aqueles mantras que tocamos em nossos carros de som, à fim de conclamar todos ao acasalamento. Esqueçamos a tradição, os grandes pintores, escritores, músicos...bando de abestalhados! O negócio é curtir, meu irmão: aqui e agora; pois o que tiver de ser ... já é.
É a morte do homem “contemporâneo” ! Viva ao homem primitivo !
Tenho que ir agora, o dia já cai, a caverna ta ficando escura, e ainda tenho que tomar o meu tacape para caçar o bicho que comeremos na refeição da noite; e depois ainda tenho que puxar a mulher pelos cabelos e reproduzir a minha espécie gloriosa...! A selva me espera !!!!!

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Vide Cor Meum
Sempre falou de amor, mas nunca o conheceu
Apaixonou-se por uma mulher que jamais foi sua
Viveu intensamente as mágoas e dores
Nem mesmo percebeu quando instalaram-se momentos alegres em sua vida:
Não acreditava na alegria, no amor, e menos ainda nas mulheres.
Era fiel à dor, súdito das paixões amputadoras.
Dedicava-se à música, respirava música; jamais tornou-se músico
Gastava-se com a família, diluía-se nele e por ela; mas nunca teve família.
Esmerou-se excruciante em ser modelo para os irmãos; porém, não ganhou irmãos
Foi cético,simpatizante,crente,crítico,descrente,cínico...agora não se importa com nada disso. Isso mesmo: importa-se com o nada, e nada mais.
Não acreditava na “fé”, nos “irmãos” , na família...e chorava seu nada com música.
Esteve de luto enquanto vivia, adoeceu quando apaixonado
Antecipou tragédias que jamais chegaram, agonizou mortes de gente que ainda ta viva
Seu coração era a agonia, a tragédia, a paixão, a morte...mas não se sabia vivo.
Amava o prazer, a bebida, o sexo, o calor de uma mulher
Mas mulheres o congelaram, sexo lhe entediou, a bebida entorpeceu-lhe
O prazer? Na verdade nunca esteve lá: eram suas projeções de carência.
Escolheu um pôr-do-sol , abraçou uma árvore,
Pôs sua canção predileta a tocar: “Veja meu coração”, dizia a canção.
Pobre homem, ousava chamar de coração o buraco aberto e exposto em seu peito !
O sol se pôs, a música tocou repetidas vezes,
A árvore abraçou-lhe com uma corda:
Enfim, pela primeira vez sentira a ânsia da vida que se preserva;
Mas isto lhe era suficiente:
- O sol se pôs nele, para ele; a arvore abraçou-lhe com a força de um nó,
A música tocava “veja meu coração”... e assim ele se pôs com o sol,
E sua vida se derramou na terra, e seu coração expôs-se aos corvos do céu
E a natureza lhe devorava o interior...e a vida deliciava-se ali... na morte,
No abraço da árvore, no cair da noite...na exposição do coração.
Morreu como desejou ter vivido !!!!
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Canção ao melhor amigo...
Oh, meu amigo; mais uma vez somos só nós dois
Sempre a falar você sempre a me ouvir.
Mas, que importa se somos sempre só nós dois?
Se somente contigo me sinto bem pra falar e até calar...
Oh, meu amigo; somente tu conheces o que não digo à ninguém
Antes mesmo que fale me conheces pelo toque
Ninguém me compreende como tu, meu amigo...
Às vezes tão alegre com um flamenco, ou romântico com um fado,
E nos dias de muita expressão ouves até meu rock’n roll.
Mas nos dias que em pesam as nuvens mais cinzas
Escutas também minhas lamentações, meus choros,
As bossas, meus sambas-canções: me confortas nos momentos mais tristes.
Oh, grande amigo; perdoa não ter lhe dedicado antes essa canção
Estás sempre aqui a ouvir meu coração tão de perto,
E a honrar essa amizade que de minha parte tem sido tão ingrata.
Te prometo que à partir de hoje te honrarei muito mais do que antes
Pois assim se constrói uma amizade tão forte...!
Prometo te dedicar canções muito mais lindas que esta,
Não melodias tão simples, música tão desarranjada,
Mas é por que sei que tu entendes meu jeito simples de ser.
Amigo, obrigado por sua companhia sempre
Por nunca rejeitar o meu convite,
Estendes sempre a mão, o corpo inteiro entregas à mim:
- Meu violão...!
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Aos de corações mais tristes: meu constante pesar
Libertar a morte presa na garrafa,
Reduzir a vida à medida do copo,
Chorar a perda, beber a alegria,
Desculpar-se da fraqueza e covardia.
Dos dias negar-se a colher o mal,
Da dureza dos golpes na noite da vida
Evadir-se na sutileza do gole;
Nutrir a “infância”, rejeitar o “crescer”,
Transformar toda a riqueza e sorte
Na eternidade mórbida de beber.
A água ardente no recipiente
Jamais abrandará o inferno do doente,
E nem mesmo o livrará do dia final
Antecipado pela magia do gole,
Provocado pela maldade do golpe,
Tragando-lhe nas ardentes águas do tédio eternal.
Liberar a vida entulhada em ti,
Reduzir a morte à grandeza da vida;
Chorar de alegria, e tragar a perda com ousadia;
Suplantar-se em vontade, curar a ferida,
Abrir os olhos, abraçar a sina; colher Todo o dia.
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Theo Fagundes

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Lúcio*, a criança da Luz !!!


Hoje conheci um garoto esperto, cheio de luz; o Lúcio ! Estava lá no estúdio de música _onde geralmente presto serviços como vocalista_ e acompanhava seu professor de violão, que, talentosíssimo que é, participava como baterista em um projeto musical cultural.

Assim que o vi identifiquei-me: parecia ver-me nele quando tinha a sua idade, 12 anos. Olhar atento à tudo que o rodeava, jeitão tímido aparentado um certo desligamento, mas era somente aparência mesmo...

Começamos a conversar sobre rock’n roll, livros e leituras, violão, e eu ali, me sentindo um “velho sábio” diante de um iniciado; transmitindo-lhe tudo que me vinha à cabeça com uma avidez que mais parecia que era minhas últimas palavras em um leito de morte ! Engraçado...!

“Desci” de meus modos e jeitos de “adulto” para que a “criança” me entendesse, e assim partilhasse das coisas “sagradas” que (penso eu...) compartilhava com ele. O mais surpreendente é que me entendia em tudo, criando vários “links” na conversa, governando a prosa com sua imperatriz genialidade inocente de criança. Entendi muitas coisas...aprendi mais coisas com esse meu novo amiguinho do que o próprio imagina...

Parecia perceber com certa propriedade a antiga história de “tornar-se criança para captar as coisas do Sagrado, do Divino”. Sim, o sábio Mestre judeu tinha razão: têm que ser criança para se fartar dos frutos da Vida...!

Não se trata de infantilização, decadência, ou falsa ingenuidade; estas coisas são secundárias, meras aparências, rótulos, enfim, coisas e discursos de “adultos”. É uma questão de ser...e somente ser. A simples abertura para o outro, sem as armaduras, disfarces, e farsas da suposta maioridade.

Em nenhum momento senti-me tentado a contar estórias mirabolantes, interpretar um papel, esconder motivações ímpias, ou até mesmo ocultar uma grande afetividade por temor... não, nada disso. Estávamos ali, eu e o Lúcio, e tudo era luz, transparente, ingênuo, ambicioso e sedento como sonho de criança, uma troca permanente e própria. Em 40 minutos, doei e ganhei..., sem esforços cênicos, sem nada mais do que ser...! Fui criança com o Lúcio e a sua luz ( a mesma que carrega em seu próprio nome), e senti-me feliz, como poucas vezes, sendo somente eu...sendo integralmente eu, totalmente.

Que a Luz lhe acompanhe até o fim dos seus dias, grande Lúcio, assim como o nome-título que carrega.



Theo Fagundes



* O nome “Lúcio” deriva do termo latino “Lux”, que significa “Luz”.










A menina e o quarto dos Espelhos


Linda: uma verdadeira semente da virtude; em todos os gêneros !!! Potencialmente, uma grande mulher; mas naquela hora, somente uma menina....linda,mas apenas uma menina.

Sua mãe concebera-lhe e dera-lhe a luz no mesmo cômodo de sua casa: o terrível quarto dos espelhos falantes. Penso que na casa de toda mulher existe tal cômodo: esse lugar temido em que os espelhos realmente falam, e geralmente, coisas aterradoras !!! São objetos herdados de muitíssimas gerações; das matriarcas, é claro.

Tais elementos possuem um terrível poder de sedução sobre suas possuidoras, de maneira que, quanto mais passa o tempo, mais as donzelas passam a conformar-se ao que dizem os tais espelhos.

A bela garota foi crescendo, e sua mãe (outra vítima genealógica do terrível “monstro” do reflexo distorcido) sempre a expunha: e ela ouvia coisas ora tão grandiosas que beiravam a megalomania; ora objeções tão agressivas ao seu “ser” que a mesma ,por muitas vezes, não reconhecia-se refletida.

Chegou a maioridade, e a menina de outrora, agora mulher, se vê diante do maior dilema de seus poucos _ e ilusórios anos: ao sair de seu “quarto existencial” ela teve a sua grande, porém necessária (ao que desejam amadurecer de verdade !), decepção: a descoberta de que, espelhos são mentirosos; de que os mesmos são “monológios” da desgraça, de uma falsa “auto-percepção”.

Que terrível dor: quase três dezenas de vida acreditando em mentiras que a moldaram por inteiro; logo a descoberta de que todas as dimensões de sua “vida” eram pura fantasia.

Mas a “Roda de Fortuna (deusa grega do destino humano)”, que em seus giros alucinantes muitas vezes fazem-nos pensar que a vida conspira contra nós, girou sobre a realidade da menina-agora-aprendiz-de-mulher: expulsou-lhe de seu “quarto” para ensinar-lhe a verdade sobre o auto-conhecimento e o sentido da vida: é que o verdadeiro ser das coisas, a mais pura essência necessária ao bem-viver não são aprendidas em nossos “espelhos monológicos”: aqueles em que somente nós e nós debatemos...

Sair do “quarto” é abrir-se para a mais verdadeira possibilidade de conhecer-se, e de extrair real significado das coisas: é olhar-se em “espelhos humanos”; encontrar a verdadeira imagem de si diante do “reflexo da humanidade”; e descobrir enfim, que o Sentido relevante de tudo que fazemos e do modo como devemos aprender a ver-se e construir-se não está em nós: está fora de nós.

É nos outros que vê-se realmente refletido, confrontado, aceito, amado....! Não trata-se comparação, antes de adequação.

E assim a menina aprendeu que abraçar a si mesma integralmente (do jeitinho que se é), necessariamente passa pelo “abraçar a humanidade”. No fim das contas, nos vemos realmente melhores do que somos nesses “espelhos do amor” que a existência nos doa: os amigos !!

Por isso, tenha muito cuidado ao quebrar os espelhos de sua vida: pode acabar substituindo a verdade pela ilusão; e o amor pela “associação”: e é fácil discernir quais são os melhores _ por serem reais!_ reflexos de nós mesmos...





Aos mais tristes de coração: meu constante pesar.





Libertar a morte presa na garrafa,

Reduzir a vida à medida do copo,

Chorar a perda, beber a alegria,

Desculpar-se da fraqueza e covardia.


Dos dias negar-se a colher o mal,

Da dureza dos golpes na noite da vida

Evadir-se na sutileza do gole;

Nutrir a “infância”, rejeitar o “crescer”,

Transformar toda a riqueza e sorte

Na eternidade mórbida de beber.


A água ardente no recipiente

Jamais abrandará o inferno do doente,

E nem mesmo o livrará do dia final

Antecipado pela magia do gole,

Provocado pela maldade do golpe,

Tragando-lhe nas ardentes águas do tédio eternal.


Liberar a vida entulhada em ti,

Reduzir a morte à grandeza da vida;

Chorar de alegria, e tragar a perda com ousadia;

Suplantar-se em vontade, curar a ferida,

Abrir os olhos, abraçar a sina; colher Todo o dia.

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A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos.
E o mais independente.
Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro
retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto
no exato ponto em que foi interrompido.

Afinidade é não haver tempo mediando a vida.
É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo para o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.

Ter afinidade é muito raro.
Mas quando existe não precisa de códigos
verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento,
irradia durante e permanece depois que
as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar
a um não afim, sai simples e claro diante
de alguém com quem você tem afinidade.

Afinidade é ficar longe pensando parecido a
respeito dos mesmos fatos que impressionam comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavras.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento...

Afinidade é sentir com. Nem sentir contra,
nem sentir para, nem sentir por.
Quanta gente ama loucamente,
mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado,
não para eles próprios.

Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar, ou, quando falar,
jamais explicar: apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças.
É conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,
quanto das impossibilidades vividas.

Afinidade é retomar a relação no ponto em que
parou sem lamentar o tempo de separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas oportunidades dadas (tiradas) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser,
cada vez mais a expressão do outro sob a
forma ampliada do eu individual aprimorado.

"Afinidade", por Arthur da Távola (in memorian)
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Sobre a Música: considerações iniciais (sobre o "bom" e o "mau" gosto) ...
Há alguns meses lendo, pensando, pesquisando e repensando sobre o tema, precisava organizar as considerações resultantes desse processo inquietante. Sendo assim, sigamos em frente, porém _por hora_ detendo-se à questão do “bom ou mau gosto” concernente à Música.
Será mesmo que essa não passa de mais uma “questão subjetiva”, do tipo defendido pelos que afirmam: “o que é bom gosto pra você, pode não ser pra mim”, ou vice-versa? Será que devo mesmo, a partir disto, elencar alguns Ícones das últimas três gerações _por exemplo_ juntamente a algumas produções “musicais” da contemporaneidade? Penso que não... digo que não...clamo que jamais...
Quando me deparo com alguma questão aparentemente problemática, ajo conforme aprendi com a tradição grega do ocidente: perscrutar tal questão até o seu princípio, e a partir disto reconstruí-la. Então, voltemos à Música com um olhar “panorâmico”, e percebamos o caminho que a mesma percorre na História das Civilizações.
Não pretendo reescrever a História da Música; e nem mesmo defender um “estilo” em detrimento de outro. Em tempos e épocas diferentes; entre tribos e nações que nunca tomaram conhecimento uma da outra; e em qualquer dimensão humana que tenha passado por esse nosso chão, a Música, sempre, esteve entre as manifestações mais sublimes, significativas, relevantes de cada povo. Em suas cerimônias e rituais mais importantes; nas celebrações de maior êxtase...enfim... uma forma de expressão da interioridade, uma manifestação de valores, princípios, expectativas; e por algumas vezes, um busca por contato com a Divindade.
Em seu best-seller “Uma Breve História do Mundo”, Geoffrey Blainey ,relata como figuras expostas em “parques arqueológicos” no mundo inteiro são traços marcantes que apontam para uma relação fundamental entre Homem e Música desde quando aprendemos os primeiros modos de comunicar-se, há milhares de anos. O mesmo pode ser testemunhado ao se ler “A Cidade Antiga”, de Foustel de Coulanges, onde se encontra relatos da imanência da musicalidade entre as primeiras “grandes civilizações ocidentais”.
E não seria necessário discorrer de modo prolixo aqui, falando sobre a Música na Idade Média, entre os Modernos...; pois no fim, o faria para corroborar sobre o mesmo discurso: que existe sim, um critério que demarque, afira, na discussão sobre o famoso “gosto musical”: o chamo de “critério de relevância e significado”. Minha geração é que não percebe isto...!
Não se trata de julgamento de valor moral; antes, de valor estético. Se a Música é, foi, e será sempre uma expressão de determinada cultura; ou se até mesmo “a arte imita a vida”, como já rezava o dito popular, então lamento: coitados serão meus descendentes...! Serão da geração que faz “música” com o traseiro (bunda mesmo...!), que consome lixo técnico, cultural, acima de tudo existencial, sobre o pretexto de ser uma música “diferente”, animada, um barato...! Triste geração: consome lixo como entretenimento, mas que ainda arroga-se disto.
Sim; entretenimento também compõe a musicalidade, sendo uma de suas muitas facetas; mas Música sem o que a originou, estabeleceu-a, legitimou-a como sendo essa “coisa” que tanto nos apela e constrange, não é boa mesmo...! E assim têm sido desde o princípio das eras: o homem pondo na música uma carga de valor afetivo, existencial, o que mais lhe apela individualmente, o que possui uma relevância tamanha que chegue a marcar sua própria cultura e etnia; é desse poder e fascínio da Musa Euterpe (http://pt.wikipedia.org/wiki/Musas) a que me refiro..., a capacidade de mover multidões, unir em torno de algo uma comunidade, expressar e perpetuar nas emoções as dádivas sagradas compartilhadas ali, por todos. Essa é a “Coisa” que ,por mais diferentes que sejam as manifestações culturais e temporais, atravessou toda a nossa História até aqui: essa é a “boa” Música; a que dança em todos os ritmos, mas que transcende, resiste, revoluciona, consola, transcende, humaniza, diviniza....!
Nessa minha consideração inicial está posto o primeiro “mandamento” : a Música têm como destino fatal, desde seu início, a ser significadora entre os homens; cheia de apelo e sedução para o que o exalta ...o glorifica mesmo nas tragédias, Ela é popular, por que é a alma deste povo que extravasa por meio dela, jamais supondo-se “popular” como rebaixadora de nossa grandeza humana. A Música é dádiva dos céus aos homens, é nossa, em toda a sua complexidade matemática, tanto quanto em sua simplicidade existencial; é nossa para engrandecer-nos, e por meio dela expressemos o que possuímos de mais nobre, transformador...; inverter essa ordem é repetir o que se vê em cada esquina: “música” como instrumento de humilhação, vergonha, promiscuidade, devassidão...ou no máximo de “animação”. O resultado é sempre vazio, inócuo, irrelevante, produzindo gente com as mesmas características do lixo que se presta a ouvir.
Vão me chamar de moralista, puritano, e afins...! O que é fato: Música “boa”, faz bem pra saúde; do corpo e da alma...; e isso é de bom gosto. Música “ruim”, “quem tem ouvidos, ouça (ou melhor não...risos)...”; e quem tem olhos veja: não vai precisar andar muito...! Será que é tão complicado assim?
Por Theo Fagundes

Aprendendo a viver à partir do aprender a morrer: uma meditação
Artigo publicado no Jornal BAHIA HOJE, em 11/08/09
A Morte: o inevitável caminho de todos os homens !!. Parafraseando o grande mestre (Sávio Rosa. Phd.): “nascer é uma probabilidade, viver uma incerteza, morrer, no entanto, é fatalmente determinado”. Sendo “a Morte” o grande evento da vida, _pois é a sua coroação_ pensá-la, discutí-la , confrontá-la, e aceitá-la... é tarefa de todo o ser, dito humano, que dignifique a sua existência: sim, pois é o poder criador e significador do humano que o distingue, dentre os demais seres vivos, o colocando na condição singular e única de pensar a “vida e a morte”, da perspectiva que lhe parecer relevante e dotada de significado..
É aceitando esse status singular _o de sermos os únicos aptos a pensar sobre o inevitável destino de todos, o do encontro com a morte_ que proponho, intermitentemente, fazer dessa aptidão natural, uma experiência marcada pela intencionalidade de imprimir novos valores e significações em nossa existência, passando do meramente determinado e fatalístico, para a percepção do poder transformador, de na vida, dar-se o privilégio de pensar na morte, à fim de que o olhar se mude, e a prática seja ,na vida, prazer, aprendizado, sabedoria, afetividades gratuitas...sim, tudo de mais filosófico possível, quando se entende que o “filosofar sobre” é um “pisar o mesmo caminho de todos os dias com outros olhos... um desvelamento do que até outrora fôra natural”.
Utilitarismo? Pragmatismo? Jamais. Antes é descobrir a relevância do filosofar pisando no chão da existência: é aqui que as coisas se verificam, legitimam, ou desvanecem.
Em um viver cotidianamente frenético _ que é o contemporâneo_ todos correm, mesmo que por caminhos desencontrados, em direção ao mesmo ideal: a felicidade. Cegueira... ilusão...; pois ao se olhar um pouco mais atentamente a constatação da realidade é a da fragilidade, efemeridade da vida. Em sua própria constituição, a vida é passageira, é caravana..., é peregrina errante tendo a morte como companheira, e como fado. A famosa ópera “Carmina Burana” expressa intensamente o elemento trágico dessa nossa peregrinação; pois quem não sentiu _ou quem sabe tenha visto_ a veracidade destas estrofes?. Eis: “Oh destino, és como a Lua, mutável, sempre aumentas e diminuis; ah detestável vida ,ora escurece, e ora clareia; por brincadeira mente;miséria, poder, ela os funde como gelo. A sorte na saúde e virtude agora me é contrária; dá e tira mantendo sempre escravizado.Nesta hora sem demora tange a corda vibrante ; porque a sorte abate o forte,chorais todos comigo!”
Morte e vida caminham amigas, e não se dedicar à tarefa de pensar a vida à partir da certeza da morte, é ser condenado à muito mais do que ver a vida passar, mas à “passar junto com a vida”. È garantia de _ se tiver a sorte de envelhecer_ ver sua boca se encher do “provérbio bíblico da sabedoria tardia, o Eclesiastes” : “chegaram os maus dias e não tenho neles contentamento algum”. Já graceja um dito popular americano: “a juventude é desperdiçada no jovem...!” , e essa é a minha preocupação: é com gente que se deixa tolher a fantasticidade de um viver exuberante e cheio de relevância, por estar apegado à questiúnculas , picuinhas mesquinhas, antipatias imotivadas; ou levado por tendências de nossa época, principalmente as de origem midiática. Roubaram-nos o sentido da vida...os valores mais respeitáveis, o gozo da família, a fidelidade na amizade, o valor próprio, o senso de propósito, e uma visão do futuro sem todas aquelas futilidades que sedimentam as ambições de nossa geração. Roubaram-nos a vida quando tiraram de nós a presença e gravidade da morte. Mutilaram-nos _e com nosso próprio consentimento_ quando descaracterizaram o viver diante de nós, arrancando-o seu elemento trágico constitutivo: a reverência diante da vida...e da morte.
Independente de qual seja a crença que predomine (e as crenças têm, cada uma ao seu modo, um horizonte pós-mortem), o que é inadiável é: todos morreremos sim. Se morreremos , então vivamos com urgência; com relevância, alteremos a cadeia de prioridades de nossa existência aqui. Pensemos na vida como quem morre, para que não chegue o dia em que todo o acúmulo de “saber” seja amargo ao paladar de quem ,pra si mesmo, só herdou uma sepultura, e um epitáfio: “...devia ter vivido mais... amado mais...errado mais... ter sido mais feliz”. Se a finalidade da vida é a felicidade, atingi-la sem pensar a morte em seus termos radicais é impossível; (no tocante a mim) a filosofia (e o Evangelho) são os mediadores desse processo, remédio e instrumento na busca da finalidade última da vida. Ser feliz é a busca final, e isso torna o nosso agir no “durante” ,muito, mas muito mesmo, diferente...

Por Theo Fagundes

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