sexta-feira, 10 de junho de 2011

ENTREVISTA: Daniela Galdino.

 
Daniela GaldinoNascida em Itabuna, Daniela Galdino é graduada em Letras pela UESC, Mestre em Literatura e Diversidade Cultural pela UEFS (com pesquisa sobre o poeta Augusto dos Anjos). Atualmente cursa o Doutorado em Estudos Étnicos e Africanos pela UFBA (realizando pesquisa sobre literatura infanto-juvenil afro-brasileira). Como artista, participou, nos anos 90, do teatro universitário na UESC, fazendo parte do NAU e do Grupo Rumos das Letras. Na mesma época compôs a organização dos Saraus do CEPHS-UESC. Foi idealizadora e coordenadora, junto com o músico Jaffet Ornellas, do Festival de Musica de Itabuna (FEMI), de 2001 a 2004. Publicou o livro Vinte poemas caliDORcopicos, em 2005, pela Editus. Participou, em 2009 e 2010, das duas edições da antologia “Diálogos: panorama da nova poesia grapiúna” (organizada por Gustavo Felicíssimo e publicada pela Editus-Via Litterarum). Atualmente organiza o Sarau Baú dos (im)pertinentes e mantém o blog http://operariadasruinas.blogspot.com.

AI – A arte da poesia é viva em nossa região? Existem eventos poéticos?
DG - A nossa região é farta de poesia. É uma bonita trajetória de mulheres e homens que enveredaram/am pelo campo da criação poética e, nesse processo, não devemos aos grandes centros. Sabemos muito bem escrever com o corpo salpicado pelo visgo de jaca (simbolizando a transfiguração poética dos elementos locais) e, ao mesmo tempo, rompendo com os limites da região sulbaiana.
Falando especificamente de Itabuna, posso dizer que têm ocorrido alguns saraus, sempre em residências de artistas ou apreciadores e eu acho que essa iniciativa é muito importante. Eu mesma faço parte da organização de um deles, o Sarau Baú dos (im)pertinentes, que ocorre em Itabuna. Apesar de mobilizar, por noite, uma media de 100 pessoas – no caso do Baú dos (im)pertinentes - essas iniciativas não representam uma democratização do acesso ao nosso acervo literário, justamente porque elas são realizadas em espaços “íntimos” (residenciais).
Agora, não podemos deixar de admitir: essa vertente dos saraus começou a ocorrer por aqui, com mais intensidade, há alguns anos, quando os espaços públicos de divulgação deixaram de cumprir o seu papel, o que é lamentável, pois as duas esferas – a pública e a privada – deveriam ser estimuladas ao mesmo tempo. Neste momento Ilhéus está mais avançada no que se refere a eventos poéticos (principalmente aqueles realizados pela Casa dos Artistas em parceria com a Fundação Cultural de Ilhéus).
Vou fazer uma comparação: Cachoeira (uma cidade menor do que Itabuna e Ilhéus) vai sediar, em agosto deste ano, uma feira literária internacional, nos moldes da FLIP (realizada em Paraty – RJ) e da FLIPORTO (realizada em Olinda-PE). Acho que Itabuna ou Ilhéus comporta um evento desse porte, falta apenas a iniciativa, o empreendedorismo cultural, algo que unifique o poder público, a iniciativa privada, a universidade e os grupos culturais. Esses eventos, além de divulgar a literatura, atraem visitantes e turistas, o que mobiliza o setor hoteleiro, gastronômico e o comércio local, por exemplo.
Pela grandeza da nossa trajetória poética eu, sinceramente, sinto falta de eventos públicos que valorizem, preservem, divulguem esse acervo. Eu tenho permanecido pouco aqui, estou sempre em trânsito, por questões de trabalho ou pesquisa, mas sempre levo um susto ao desembarcar em Itabuna: esse constante retorno me faz perceber como a cidade segue triste e com menos brilho. Isso tem me dado um desgosto intenso, pois essa lacuna é uma ameaça ao nosso talento poético. No entanto, quem milita mesmo no campo das letras, quem sente necessidade de “fazer o verbo delirar”, como diz o poeta Manoel de Barros, resiste, produz e vai criando as alternativas – eu me vejo nesse grupo que se sente desafiado a escrever.
AI – Por onde vivem os poetas e poetisas da nossa região? O povo tem acesso às obras?
Rock e Poesia II fotoDG - Ocorre o que eu costumo denominar de “diáspora papa-jaca”. E o que é isso? A dispersão de filhas e filhos da nossa região por ai afora, ou pelo mundo adentro – realidade que comporta a maior parte dos nossos artistas. Isso não é completamente ruim, pois é preciso conhecer outros ares, transitar por outras paragens, interagir com outras linguagens e realidades.
Por uma série de motivos muitos dos nossos artistas – de um modo geral, e não somente os poetas – estão fora da região. Um desses motivos – e creio que isso pesa bastante na escolha de deixar a região – é exatamente a falta de políticas públicas para apoio às artes. Infelizmente isso já virou uma prática recorrente de governos municipais que não priorizam o campo das artes, muito provavelmente porque esses governos alimentam e reproduzem o equívoco de que cultura e arte não geram o “milagre da multiplicação” de votos. Para mim, isso é uma grande ignorância.
Ao fim, saem perdendo os artistas, produtores culturais e, sobretudo, a população em geral. Por uma ausência de políticas públicas que valorizem cultura e arte, aquelas camadas mais pobres da população ficam alijadas do acesso a esses bens culturais. Quem pode, paga e tem acesso a espetáculos, livros, eventos literários e etc; quem não pode, fica à mercê dessa equivocada política que, ao se omitir, impede a democratização do acesso a esses bens.
A literatura é um desses bens. E por onde ela circula? Por bibliotecas, mas, sobretudo em Itabuna, a única biblioteca pública possui um acervo insatisfatório. Por eventos literários, mas esses são uma raridade por aqui. Pelo cinema, enquanto valioso aliado da literatura a partir de adaptações, mas carecemos de salas de exibição na nossa cidade.
Não estou afirmando que o poder público deve tutelar os artistas, que estes devem ser dependentes daquele. Estou afirmando a necessidade de fortalecer e implementar políticas públicas de incentivo cultural, e isso implica em apoiar a diversidade de linguagens e experiências de grupos sociais diferentes.
A questão deve ser pensada numa cadeia de produção cultural. Os entraves ao acesso à literatura também devem ser assim interpretados: na sua dimensão social, e não apenas individual. Pensando nesses termos, o atual cenário itabunense, por exemplo, não é muito animador.


AI – As escolas secundaristas deveriam ter a poesia mais viva entre seus alunos e professores?
rock e poesiaDG - Sou convicta disso. A literatura circula – mesmo com equívocos - pela escola. A escola tem ocupado um espaço fundamental para a divulgação literária, pois muitos estudantes (sobretudo da rede publica) entram em contato com a literatura exclusivamente na escola.
É preciso, portanto, inserir a literatura regional no currículo escolar, não como disciplina, mas como acervo cultural a ser abordado, divulgado, preservado. Então, a literatura, como linguagem, pode fazer parte da aula de Português, História, Geografia, etc. Felizmente, nesse sentido, temos aqui na região (em Itabuna, Ilhéus, Uruçuca, Itajuipe, Ipiau, Pau Brasil, Canavieiras, por exemplo) educadoras/es comprometidas/os com esse projeto, tanto na rede pública quanto na rede privada. Estou falando de projetos consistentes e sérios que buscam aproximar a juventude da produção literária regional, isso se dá com a realização de debates com escritoras/es, saraus, eventos poéticos, feiras literárias, pesquisas de campo; não estou me referindo a ações momentâneas, pontuais, e sim propostas que são desenvolvidas ao longo do ano letivo, com aprofundamento das discussões.

AI – A poesia e os poetas vivem bem próximos aos músicos, aqui é comum este encontro?

DG - Poesia e música são irmãs. Ambas se sustentam com o ritmo. Sem ritmo, é difícil haver poesia. Por aqui não vejo muita dificuldade nessa aproximação. Eu mesma costumo participar de eventos que articulam música e poesia. Cito dois projetos recentes, realizados em Ilhéus, na Casa dos Artistas: o Rock & Poesia e o Quartas de Assalto (ambos produzidos por Gustavo Felicíssimo e pelo músico “Cabeça”). Para mim foi uma inesquecível experiência dividir o palco com uma banda de rock e fazer valer essa irmandade que marca as duas linguagens. O público também recebeu muito bem e eu me recordo de ter ficado impressionada com a mobilização da platéia no projeto Quartas de Assalto – formada basicamente por transeuntes, trabalhadoras/es que voltavam do expediente, turistas. O evento aconteceu na rua, no quarteirão Jorge Amaado, e não tivemos problema algum, tudo transcorreu de maneira satisfatória durante as quatro semanas consecutivas. Sinto falta de ações como essa aqui em Itabuna.
Além disso, já participei da abertura de espetáculos musicais, recitando poemas, o que é muito significativo, pois essa parceria contribui para a ampliação do público leitor de poesia.


AI – Quais os poetas, poetisas que merecem destaque em nossa região?
artistadeitabuna© 2011DG - Sei que não é correto citar nomes – pois sempre recaímos na omissão de alguém e a omissão é desconcertante – mas ainda assim arrisco a dizer, de acordo com as minhas preferências de leitura e vivência poética: Telmo Padilha, Valdelice Pinheiro, Jorge Araújo, Ruy Povoas, Firmino Rocha, Minelvino, Adelmo Oliveira, Sosígenes Costa. A partir da escrita desses expoentes a nossa região foi projetada para dimensões nacionais e internacionais, sobretudo pela inegável qualidade artística dessas produções.
Há também os poetas nascidos aqui na região e que migraram logo cedo, mas que não se desvincularam das expressões culturais próprias daqui, entre esses estão, por exemplo: Ildásio Tavares e Aleilton Fonseca.
É preciso também destacar os “novos poetas”, que despontaram a partir dos anos 80: Ramon Vane, Rita Santana, Iolanda Costa, Geny Xavier, George Pelegrini, José Delmo, Walmir do Carmo. Essa geração, que entrou com força no cenário cultural dos anos 80, se destacou pelo intenso diálogo com o teatro, a música, o cinema e as artes plásticas, por exemplo. Então, eu creio que quando essa geração experimenta, ao mesmo tempo, a criação poética com a criação em outros campos artísticos promove dois movimentos: a intensificação das relações entre as linguagens artísticas, a projeção da poesia nos diversos espaços sociais.
Essa historia prossegue com outros nomes ligados a nossa tradição poética e ao diálogo com as linguagens artísticas: Mither Amorim, Fabrício Brandão, Ricardo Dantas, Marcus Vinícius Rodrigues, André Rosa, Piligra, Noélia Estrela, o jovem Geraldo Lavigne. Quero também lembrar o nome de Heitor Brasileiro Filho, que apesar de ter nascido em Alagoinhas, está radicado em Ilhéus há mais de 10 anos e vive com intensidade o cenário cultural ilheense, seja como poeta ou estudioso de literatura.
Obviamente essa lista representa um olhar parcial, jamais a totalidade do que seja a literatura sul-baiana. E também não quero ser interpretada como alguém que vem traçar a literatura regional de forma estanque, como se a poesia de uma geração se esgotasse, sendo substituída por outra. Ao contrário, as produções acontecem ao mesmo tempo, envolvendo poetisas e poetas de gerações diferentes, o que enriquece o nosso cenário cultural.
O mais bonito de tudo isso, ao meu ver, é que cada geração vai aprendendo com a anterior, sem rivalidades ou disputas, sempre com a fome de dialogar e fazer “a gira girar”, realimentando nossos ciclos literários.

AI – A mídia regional costuma divulgar eventos poéticos?
DG - Acho que não há problemas com relação a isso. Geralmente acontece essa divulgação via mídia regional. No entanto, a tendência tem sido veicular as informações a partir de redes sociais, via internet. Dessa maneira os idealizadores dos eventos poéticos geralmente contam com a solidariedade de outros participantes das redes, o que se torna muito interessante, pois as pessoas se sentem mais próximas das propostas ao divulgá-las. Obviamente, ao dizer isto, eu não estou menosprezando o papel e a contribuição da mídia regional, acrescento apenas outra dinâmica ao processo.
AI– Divulgue seus projetos atuais e futuros.
Lendo IolandaDG - Em curto prazo tem a minha participação no Projeto Rock & Poesia (concebido por Gustavo Felicíssimo e “Cabeça”, da banda Dr. Imbira). Eu participei das duas edições anteriores, que foram realizadas em Ilhéus, na Casa dos Artistas. Na terceira edição o projeto vai acontecer em Itabuna, durante todos os sábados do mês de julho deste ano. Haverá a participação de 4 bandas (eixo Ilhéus-Itabuna), dois poetas, duas poetisas, artistas da área de performance e outros músicos que irão dar o “ar da graça” numa grande “Jam Session”. Em breve vai rolar a devida divulgação.
Além disso, no momento estou trabalhando bastante para finalizar o projeto de uma obra poética. Agora mesmo estou vendo os retoques finais da seleção de textos para, em seguida, dar início ao processo editorial, o que significa contactar editora, captar recurso, enfim. Até o momento divulguei a minha produção participando de antologias impressas ou veiculando poemas via internet. Esse livro, que está em fecundação, tem sido a minha grande vontade. Com ele, transito pelos caminhos do feminino, na sua acepção erótica, política, sensível, sempre com o ar de despudor que marca esses escritos. Espero concretizar essa publicação ainda em 2011.


AI – Agradecimentos.
DG - Agradeço ao convite feito pelo blog artistas de Itabuna, o qual resultou nesta entrevista. Aproveito para celebrar a iniciativa deste blog em conferir visibilidade àquelas e àqueles que estão na batalha do campo das artes.
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2 comentários:

Lucinha disse...

Oi, mano! Parabéns por este trabalho. Temos a oportunidade de conhecer os talentos da nossa região. Sucesso. DEus lhe conceda mais sabedoria para divulgar as pessoas que estao autuando em diversas artes. Jesus te ama e eu também. Beijos.

Jaffet Ornellas disse...

Dani, minha querida amiga de inteligência ímpar!
Essa menina é algo mais que gente. Sou seu admirador, fã e apaixonado pela sua sensibilidade artística. Fomos parceiros em alguns trabalhos que acrescentaram à minha dignidade artística o prazer de saber enxergar o Outro.
Já invadimos o silêncio da madrugada com nossas poesias e músicas. Já invadimos o íntimo dos nossos quereres, arrancando os verbos que se fazem poesia e já tomamos os vinhos que nos fizeram alvorecer.
Beijos do sempre amigo,
jaffet